A origem da Glória do Ribatejo remonta ao século XIV, quando o Rei D. Pedro I manda edificar em 1362 uma igreja, como demonstra a lápide medieval ainda hoje presente na fachada deste templo. Em 1364, o mesmo monarca concede-lhe uma carta de privilégios, com enormes isenções e liberdades, com o intuito de facilitar o povoamento desta nova localidade. Vivendo essencialmente da agricultura, pastorícia e outras actividades mais rudimentares, a Glória do Ribatejo desenvolveu uma cultura muito peculiar que a diferenciou das restantes freguesias do concelho.
Com uma identificação cultural muito marcante, construída no dia
a dia desta população, ainda hoje é possível observar nesta povoação costumes
ancestrais. Uma das razões apontadas para a preservação destes valores
prende-se com a endogamia. No passado, ao evitar casamentos com outras pessoas
de outras localidades, este povo conservou genuinamente os usos e costumes dos
seus antepassados.
Apesar de ser assediada por outros valores, a Glória do Ribatejo soube sempre respeitar a sua identidade cultural, motivo pelo qual esta vila ainda hoje se orgulha de respirar tradição.
Imagine-se um Ribatejo quase sem estradas e ainda sem a ponte de Vila de Franca de Xira, em que todo o transporte de pessoas e mercadorias era feito em barcaças Tejo abaixo, Tejo acima, ou em carros de bois. Um Ribatejo tão pobre e tão desprovido de tudo (eletricidade, saneamento, cuidados médicos...) que se tornaria o berço do neo-realismo português, inspirando autores como Soeiro Pereira Gomes e Alves Redol. Este último, homem de Vila Franca, mudar-se-ia durante uns meses para a aldeia da Glória do Ribatejo, dedicando-lhe um estudo etnográfico cheio de admiração pelo modo como os glorianos superavam todos os dias o esquecimento a que eram votados pelo poder central. Um esquecimento de tal maneira persistente que, mais de 15 anos e uma guerra mundial depois da publicação do livro de Redol (Glória, uma Aldeia do Ribatejo - Um ensaio etnográfico), os emissários do governo norte-americano, em busca de um lugar para tão singular empreendimento, mal podiam acreditar estar na Europa, a escassos 80 kms de Lisboa.E, no entanto, seria precisamente nesse lugar próximo e, no entanto, remoto que se instalaria a RARET, que a partir do Centro Emissor da Glória do Ribatejo retransmitiria para os países da então denominada "Cortina de Ferro" as emissões da Radio Free Europe, organização patrocinada pelo National Commitee Free Europe, fundada nos Estados Unidos em 1949, com financiamento da CIA e dos fundos angariados pela designada Cruzada da Liberdade. Objetivo: difundir propaganda anti-comunista e proceder àquilo que, em ambiente de guerra, fria ou não, se chama "ação psicológica". Contra todos os prognósticos, os norte-americanos ficaram na Glória até à década de 1990, mas a maioria dos portugueses (incluindo, como mais adiante se verá, os especialistas em História Contemporânea) só seria alertada para a real dimensão da RARET quando, no final do ano passado, estreou na Netflix a série portuguesa Glória.
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