“A cadea os homes bos”
Na sequência do golpe militar de 28
de maio de 1926, a Fortaleza e Peniche receberam presos de natureza política e
pessoas com residência controlada.
Em 1934 o regime fascista instituiu
o Depósito de Presos de Peniche, sob a direção da PVDE (Polícia de Vigilância e
Defesa do Estado). Alojados nas antigas edificações da Fortaleza, aos presos
cabia a gestão do quotidiano pessoal – limpeza das casernas, lavar a sua roupa,
confecionar as refeições – sempre vigiados de perto por um corpo da Guarda
Nacional Republicana.
Em 1945 a tutela da prisão passou
para a alçada do Ministério da Justiça, mantendo-se os meios de controlo nas
mãos da PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado).
Em 1953 foram iniciadas as obras
para um novo estabelecimento prisional, inspirado no modelo das prisões de alta
segurança americanas, obras que prosseguiram até 1961 e implicaram a
demolição de parte significativa dos antigos edifícios.
São construídos três blocos
prisionais – A, B e C – e é construído um sofisticado Parlatório após a
demolição do antigo em 1968.
O Parlatório era o espaço da Prisão
política onde os presos recebiam as visitas dos familiares e amigos. A visita
decorria sob enorme tensão e podia ser interrompida sob qualquer pretexto dos
guardas. A vigilância sobre presos e familiares era não só rigorosa, como
intimidatória, pois a configuração do espaço impedia qualquer contacto físico
entre os presos e os familiares. Presos e visitas eram obrigados a falar muito
alto para que todas as conversas fossem perceptíveis pelos guardas. Atrás de
cada preso havia um guarda sempre pronto a intrometer-se nas conversas. Quando
um guarda interrompia a visita, significava que o preso seria castigado. A
punição podia ser suspensão das visitas, a proibição de recreio ou o envio para
o “Segredo”, a temível cela de castigo no Fortim Redondo.
Durante o regime fascista o Fortim
Redondo foi utilizado como cela disciplinar e, entre os presos políticos de
Peniche, ficou conhecido como “Segredo”.
Com a requalificação da prisão surge
a Cadeia do Forte de Peniche, pautada pelo reforço do aparelho repressivo
prisional, realidade que se mantém até ao 25 de abril de 1974. Cada bloco e
cada piso eram isolados de forma a impedir o contacto entre os presos, tendo
sido ainda construídos dois Pátios de Recreio interiores.
Dos novos edifícios destaca-se o
Bloco C, que albergava no 1º piso presos em celas coletivas; no 2º piso a
enfermaria e no 3º piso a Ala de Alta Segurança onde estavam encarcerados os
presos considerados mais perigosos pelo regime e que interessava isolar da
restante população prisional.
Foi daqui que se deu a célebre fuga
coletiva de 1960.
A PIDE em Peniche
A PIDE (Polícia Internacional de
Defesa do Estado) exercia um poder absoluto sobre as suas cadeias privativas –
Aljube, Caxias, Porto, Coimbra – e sobre as cadeias formalmente dependentes da
Direção Geral dos Serviços Prisionais, Ministério da Justiça, como era o caso
da cadeia na Fortaleza de Peniche.
A vigilância dos pavilhões
penitenciários era garantida pela Guarda Prisional e o perímetro da Fortaleza
de Peniche pela Guarda Nacional Republicana. No entanto, a portaria do
estabelecimento prisional era assegurada diretamente por elementos da PIDE/DGS
que, desta forma, controlavam a totalidade dos acessos à Cadeia.
A PIDE exercia uma vigilância
omnipresente e omnipotente sobre a Cadeia, quer pela intervenção direta, quer
pelos seus agentes internos, quer ainda por informadores recrutados no corpo
dos guardas prisionais, que asseguravam a esta polícia um duplo controlo sobre
toda a vida prisional.
A abertura da delegação da PIDE em
Peniche, em abril de 1965, veio acentuar a vigilância sobre a Fortaleza,
os familiares dos presos e a população de Peniche. A PIDE vigiava e controlada
tudo o que se passava à volta da Fortaleza e em Peniche, fazia o registo dos
nomes dos familiares e de outras pessoas que visitavam os presos, anotava as
matrículas dos carros em que se deslocavam e controlava, igualmente, os locais
onde os familiares comiam, dormiam e as pessoas com quem conversavam, chegando
a realizar buscas a essas casas e a submeter os seus proprietários a
interrogatórios.
Instituições e cidadãos de Peniche
considerados ‘desafetos’ ao regime eram suspeitos de partilhar ideias
“subversivas” e sujeitos a buscas, devassas policiais e mesmo presos. Os
pescadores eram alvo de particular atenção por parte da PIDE que avaliava o seu
“estado de espírito”.
Solidariedade com os Presos
Políticos
A solidariedade para com os presos
políticos foi constante e uma importante componente da resistência à ditadura
do Estado Novo.
Diversas estruturas e comissões de
solidariedade – no plano nacional e internacional – deram a conhecer a
severidade do regime, ajudando na mobilização, denúncia e melhoria das
condições prisionais, exigindo melhor alimentação, mais convívio entre os presos
e possibilidade de visitas em comum.
A luta pela melhoria das duras
condições prisionais teve alguns momentos marcantes:
– Greves de fome de 1950 e 1952,
esta última apoiada por manifestação das famílias e populares de Peniche;
– Lutas de 1960 e 1962, em apoio da
campanha nacional e internacional pela amnistia aos presos políticos;
– Lutas de 1963 e 1964, com
levantamento de rancho e gritos de todos os presos;
– Luta de 1970, por melhor
alimentação e assistência médica.
Estas lutas só foram possíveis
porque os presos, apesar do seu isolamento e permanente vigilância, ergueram
uma organização que assegurava a comunicação entre o coletivo prisional
disperso pelos diferentes blocos e pisos e entre o interior e o exterior da
cadeia.
A solidariedade entre presos
políticos no interior da cadeia permitiu minorar as arbitrariedades a que eram
sujeitos, através de um sistema de entreajuda, com levantamentos conjuntos e
partilha de mantimentos cedidos pelas famílias – cuja redistribuição, chamada
“comuna”, mesmo quando proibida continuou a existir.
A população de Peniche mostrou-se
solidária com os presos: facilitando as visitas dos familiares com donativos e
cedência de instalações para dormidas, através de apoio moral e do silêncio
cúmplice, nas fugas que testemunhou.
As colónias de férias para filhos de
presos políticos, promovidas pela Comissão Nacional de Socorro aos Presos
Políticos, tiveram também um importante papel na resistência antifascista.
Destas destaca-se, pela sua proximidade à Fortaleza, a que existiu na Casa do
Anjo, no Baleal (freguesia de Ferrel, Peniche) a partir de 1973.
26 de abril de 1974
Na madrugada de 25 de Abril de 1974
eclode a revolução liderada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) que
derruba a ditadura do ‘Estado Novo’. Neste processo são tomados e ocupados
pelas forças militares, diversos locais e equipamentos considerados
estratégicos, um pouco por todo o país. Deste rol consta a ocupação dos
estabelecimentos prisionais de natureza política afetos ao regime: Cadeia do
Aljube, Cadeia do Forte de Caxias e Cadeia do Forte de Peniche.
Pelas 10h30 do dia 25 de Abril chega
a Peniche o Agrupamento Norte, comandado pelo Capitão Diamantino Gertrudes
Silva, que congrega o RAP 3 – Regimento de Artilharia Pesada 3, o CICA 2 –
Centro de Instrução de Condução Auto 2, ambos da Figueira da Foz, o Regimento
de Infantaria 10, de Aveiro, e o Regimento de Infantaria 14, de Viseu, com o
objetivo de ocupar a Cadeia do Forte de Peniche.
Correspondendo esta data à última
quinta-feira do mês, realizava-se no chamado Campo da Torre (Campo da República
– junto à Fortaleza) a tradicional feira mensal, tendo a mesma sido
abruptamente interrompida e desmantelada pela chegada do contingente militar.
Após a recusa do diretor da cadeia,
António Leal de Oliveira, em aceder à rendição e entrega do estabelecimento
prisional, a companhia CICA 2 e duas seções de obuses do RAP 3 comandadas pelo
Capitão Rocha Santos, montam cerco à fortificação. São apontados obuses de
forma a fazer fogo sobre a Fortaleza de Peniche, caso fosse necessário. O
grosso da coluna militar seguirá para Lisboa, ficando às ordens do Posto de
Comando na Pontinha.
A população de Peniche assiste às
movimentações militares com um misto de estranheza e curiosidade, tomando
conhecimento do golpe militar ao longo do dia, através da rádio e da televisão.
Concluído o golpe militar com
sucesso, será no dia 26 de abril que a população de Peniche, os familiares e
amigos dos presos políticos se vão concentrar no exterior na Fortaleza,
aguardando a saída destes, numa vigília que durará todo o dia. Já de noite,
chegam a Peniche o Capitão-tenente Carlos Machado Santos e o Major José Moreira
de Azevedo, acompanhados dos advogados Acácio de Gouveia, Artur Cunha Leal e
Nuno Rodrigues dos Santos, enviados pelo MFA para negociar a saída dos presos
políticos.
Será apenas na madrugada de dia 27
de abril que os trinta e seis presos detidos à época nesta cadeia serão
libertados, para júbilo da multidão que longamente os aguardou no exterior dos
muros da Fortaleza de Peniche.
A Prisão-Fortaleza de Peniche
no pós-Revolução
No período conturbado que se seguiu
imediatamente à Revolução, a Fortaleza serviu ainda de prisão a figuras ligadas
ao regime fascista, nomeadamente elementos da extinta PIDE/DGS.
O fim da história prisional da
Fortaleza foi simbolicamente assinalado a 26 de fevereiro de 1976, com o
hastear da bandeira branca, após a saída para o estabelecimento prisional de
Alcoentre de antigos ministros do governo de Marcelo Caetano e ex-agentes da
PIDE, aqui presos por ordem do Movimento das Forças Armadas.
Em 1974 iniciou-se também o processo
de descolonização dos territórios ultramarinos, em consequência do qual
milhares de refugiados e retornados chegaram a Portugal. Enquadrados pelo IARN
– Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais, e perante a inexistência de
alojamento mais apropriado, a Fortaleza de Peniche acolheu algumas destas
famílias, que ocuparam os vários edifícios do antigo complexo prisional.
Entre 1977 e 1982 funcionou na
Fortaleza o Centro de Acolhimento de Refugiados de Peniche, dirigido pela Cruz
Vermelha Portuguesa, que terá albergado nos edifícios prisionais cerca de cem
famílias, num total de mais de meio milhar de refugiados/retornados
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