Exposição tem como eixo temático o «espelho», reunindo obras de arte antiga e contemporânea, de pintura, escultura, arte do livro, fotografia e vídeo, provenientes de coleções particulares e de instituições portuguesas e estrangeiras. A mostra teve a curadoria de Maria Rosa Figueiredo e Leonor Nazaré, curadoras do Museu Calouste Gulbenkian, respetivamente da Coleção do Fundador e da Coleção Moderna.
A exposição «Do Outro Lado do Espelho», organizada na Galeria de
Exposições Temporárias (piso 0), designada em 2017 como Galeria Principal do
Edifício Sede da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), inaugurou no dia 25 de
outubro de 2017 em Lisboa e esteve patente ao público até 5 de fevereiro de
2018. Integrada no novo modelo de programação do Museu Calouste Gulbenkian
(MCG), projetado por Penelope Curtis em 2017, esta exposição, que teve o
espelho como eixo temático, reuniu um vasto conjunto de obras de arte antiga e
contemporânea e pretendeu evidenciar a «presença polissémica [do espelho] na
iconografia da arte europeia, sobretudo na pintura, mas também em obras com
outros suportes, como escultura, arte do livro, fotografia e cinema» (Do Outro Lado do Espelho [convite], 2017).
A curadoria da exposição foi assegurada por Maria Rosa Figueiredo
(da Coleção do Fundador) e Leonor Nazaré (da Coleção Moderna), que selecionaram
34 obras da Coleção Gulbenkian (16 do acervo da Coleção do Fundador e as
restantes 18 obras da Coleção Moderna) para um total de obras «deliberadamente
em número de 69, número-espelho, na sua quase totalidade produzidas na Europa e
com um forte contributo de artistas portugueses», provenientes de várias
instituições e coleções particulares, públicas e privadas, nacionais e
internacionais (Do Outro Lado do Espelho,
2017, p. 14). Contam-se entre o leque de emprestadores o Musée National d’Art
Moderne/Centre Georges Pompidou, o Musée Fabre, o Museo Nacional Centro de Arte
Reina Sofía, o Museo Thyssen-Bornemisza, a Tate Gallery, o Museu Coleção
Berardo, o Museu Nacional de Arte Antiga ou o Museu Nacional de Arte
Contemporânea (MNAC).
Num vídeo sobre a exposição, Leonor Nazaré enquadra a sua
colaboração no projeto, explicando: «O desafio que me foi lançado foi o de
trazer arte contemporânea para o projeto inicial da Rosa, que só contemplava
arte antiga. Havia uma condição: tinha de haver figura representada no espelho.
Nem que fosse a nossa própria imagem refletida no espelho como é o caso de
algumas obras da exposição, por exemplo as de o Stefan Brüggemann [Espelho «No» (2014)], de Waltercio Caldas [Eureka (2001) (Inv. EE69)], ou de
Pistoletto [Dois Rapazes na Fonte (1962-1975)]
[…], que é um espelho-porta; mais do que uma obra-janela é uma obra que convida
à travessia e à presença do corpo inteiro.» (Do Outro
Lado do Espelho [vídeo], 2017, Arquivos Gulbenkian, ID: 46360)
O percurso expositivo, iniciado com a obra da Coleção Gulbenkian La Femme au Miroir (c. 1931) (Inv.
81E436), de Canto da Maya (1890-1981), estava dividido em cinco núcleos
temáticos: o primeiro intitulava-se «“Quem Sou Eu?” O Espelho Identitário» (do
mito de Narciso à consciencialização/apropriação da nossa própria imagem); o
segundo, «O Espelho Alegórico» (o espelho como reflexo de uma tradição
alegórica de largo espetro, metáfora ambivalente de vícios e virtudes); o
terceiro, «A Mulher em Frente ao Espelho. A Projeção do Desejo» (da toilette feminina enquanto ritual coletivo
à projeção solitária de um desejo de agradar ao outro); o quarto, «Espelhos Que
Revelam e Espelhos Que Mentem» (a verdade e a mentira dos reflexos
especulares); e o último, «O Espelho Masculino. Autorretratos e Outras
Experiências» (a (auto)representação da imagem no masculino).
A ideia central da exposição é também reforçada por Maria Rosa
Figueiredo no texto que assina no catálogo, onde explica: «Em todas as obras
incluídas na exposição, o espelho desempenha um papel crucial, servindo
essencialmente para multiplicar as dimensões do real. Não nos interessou
incluir obras em que o espelho representado não devolvesse qualquer imagem,
limitando-se a ser um elemento decorativo ou arquitetónico sem qualquer carga
simbólica significativa. Procurou-se, outrossim, mostrar que o espelho, além de
duplicar a realidade (núcleos 1, 3 e 5), pode ser um criador de ilusão, como
vemos em algumas pinturas alegóricas (núcleo 2) e, especialmente no núcleo 4,
em obras inspiradas na produção literária de Lewis Carroll, que replicam a
passagem de Alice Liddell para o outro lado do espelho.» (Do Outro
Lado do Espelho, 2017, p. 15)
O projeto museográfico teve a assinatura de Mariano Piçarra, designer e coordenador de projeto e
montagem da Fundação Calouste Gulbenkian, que para o efeito criou núcleos
comunicantes, uns desvendando-se no fluir do percurso do visitante, outros
revelando-se inesperadamente ou na ilusão enganadora dos reflexos dos diversos
painéis, também eles com superfícies em espelho. Nas palavas de Maria Rosa
Figueiredo, Mariano Piçarra «é o melhor museógrafo que existe neste país. Já
tinha feito muitas exposições com ele. Essa foi a minha condição, não pus mais
condições» (Dias, Diário de Notícias, 27 dez.
2017, p. 37).
No âmbito da programação associada, realizaram-se visitas guiadas
à exposição, orientadas pelas curadoras e pela historiadora Ana Paula Rebelo
Correia, e um outro ciclo de visitas, orientadas por artistas com obras na
exposição, como Paulo Mendes (1966), Rui Sanches (1954) e Cecília Costa (1971),
além da programação regular assegurada pelo Serviço Educativo. No dia 25 de
outubro, às 11 horas, antes da cerimónia de inauguração, foi realizada uma
visita guiada para a comunicação social que permitiu, nesse mesmo dia, a ampla
divulgação da exposição na imprensa escrita, digital e televisiva.
No dia 28 de outubro de 2017, associando esta atividade à
programação da semana de inauguração da exposição, realizou-se uma conferência
«Reflections on Reflections: Van Eyck and the Pre-Raphaelites», da
responsabilidade da curadora-chefe da Tate Britain, Alison Smith, cuja temática
se articulava com a exposição inaugurada também nesse mês de outubro na
National Gallery, em Londres, numa parceria com a Tate Britain, e com
cocuradoria de Alison Smith. Este ciclo terminou a 3 de fevereiro de 2018,
poucos dias antes do encerramento da exposição, com a conferência intitulada «O
Que Pode um Espelho?», proferida por Paulo Pires do Vale.
O catálogo da exposição «Do Outro Lado do Espelho», editado em
português e em inglês, inclui uma introdução da curadora Maria Rosa Figueiredo
e ensaios de Ana Paula Rebelo Correia, Paulo Pires do Vale, Henrique Leitão e
Leonor Nazaré. A imagem gráfica da exposição, utilizada em diversos materiais
de divulgação, como o convite, o cartaz e o catálogo, reproduzia a obra Crystal Girl, n.º 69 (2012), de Noé Sendas
(1970), uma composição despida de artifícios, em que a ideia de reflexo se
revela na sua velada ilusão e que permitia igualmente reforçar a ideia de que,
ao longo da história da arte ocidental, os artistas foram recorrendo ao espelho
ora para revelar ora para encobrir, utilizando as suas infinitas virtualidades,
que vão desde o reflexo fiel da realidade à ilusão ótica, ou mesmo à efabulação
criativa do real.
No espaço expositivo, o texto de entrada terminava com uma frase
que sublinhava a essencialidade lúdica e desafiante do espelho: «Tal como
acontece com Alice ao entrar na toca do coelho, pretende-se que a visita à
exposição “Do Outro Lado do Espelho” seja uma experiência de divertimento e
descoberta.»